terça-feira, 17 de abril de 2012

Nada Surf - Stars are Indifferent to Astronomy [2012 - Barsuk]

 Após um belo disco de covers e um certo tempo de hiato, a banda de maior expressão do Powerpop na atualidade lança um disco recheado de canções inéditas, causando frisson nos indies de plantão. E, quando se trata de uma banda que raramente comete erros, a exaltação é ainda mais compreensível. Mas, afinal, o que se esperar de um disco de powerpop? Será que ainda há salvação para um gênero que, aparentemente, parou no tempo? O Nada Surf, em Stars are Indifferent to Astronomy responde essas perguntas.
Desde o começo, a banda vem se desatrelando do sucesso estrondoso do single “Popular”, em meados dos anos 90, e produzindo bons discos e uma série canções fantásticas. O peso lírico e musical do ótimo segundo álbum (The Proximitty Effect, de 1998), deu lugar à produção limpa e à leveza do igualmente fantástico Let Go, de 2003, até hoje o melhor disco do grupo. Após a simplicidade quase indecente de The Weight is a Gift, de 2005. a banda vem refinando seu powerpop vigoroso, numa complexidade crescente que deu seus ares em Lucky de 2008, e, agora, vem mais forte do que nunca.
O disco começa com a música Clear Eye Clouded Mind. Uma introdução vigorosa, com guitarras cortantes e versos obscuros sobre alguém que sobe as montanhas, observa as estrelas e repensa sua vida. When I Was Young, o primeiro single do disco, resplandece, numa melodia graciosa, os prazeres e o mundo sonhador da infância – e também a amargura da fase adulta.
No geral, o álbum congrega temas saudosistas, às vezes bucólicos, às vezes citadinos. No entanto, o mais interessante é que a banda parece milimetrar a montagem dos arranjos exatamente para dar mais ênfase às belas letras que encontramos no disco. È o que encontramos, em maior ou menor grau, por exemplo, em No Snow On The Mountain e Teenage Dreams, em que as intricadas melodias encontram campo fértil nas abstrações das letras e na precisão dos arranjos.
Assim, a banda parece querer adentrar num solo em que o Teenage Fanclub vem obtendo êxito desde o inigualável Howdy!: a construção de melodias e arranjos numa fusão entre o folk, country, rock o pop, mais ou menos na linha que os Byrds tentavam seguir há 40 anos atrás. A diferença dos rapazes é que eles ainda conseguem incluir algumas referências da surf music, que por vezes se enaltece. E o resultado é algo atemporal, que não fica datado, nem perde o brilho. As músicas, se sob a primeira escutada parecem simples e sem inspiração, transformam-se, após, naquelas canções que acalmam a alma, fazendo transparecer melodias incríveis e extremamente detalhadas.
Mas todas as músicas do disco, por mais belas que sejam, são totalmente eclipsadas pela beleza grandiosa de Jules e Jim (referência a um filme francês homônimo de 1962), uma pérola que a banda entrega um pouco antes da metade do disco. Tudo que o trio faz nessa faixa se harmoniza perfeitamente e traduz a essência do som da banda: melodia pop complexa com influências dos Byrds e Big Star, guitarras abertas e levemente distorcidas, baixo profundo – tudo numa espiral que conduz ao épico, ao soberbo. 
  





* Crise de meia idade?
Entretanto, é importante dizer que quem procura novidade vai se arrepender com Stars... É incontestável que o Nada Surf em nada altera o panorama da música atual, ou seja, a banda entrega, no disco, mais do mesmo. E tal circunstância foi exatamente o principal alvo de críticas por parte da imprensa musical, que, até de forma impiedosa, criticou o grupo por não ser o que se convencionou chamar de “autênticos”. Acerca dessa tendência, já pude tecer algumas considerações sobre a temerária “síndrome do underground” que afeta o jornalismo musical na atualidade, mas não vou me alongar a respeito, bastando um google it para quem tiver interessado. Resumindo, na minha opinião, não há problema no mais do mesmo, desde que seja belo e criativo.
Na verdade, a única música francamente ruim é The Future, a canção que fecha o álbum. Nem mesmo o arranjo alegre consegue mascarar a melodia frágil e sem inspiração. Não é exatamente um final apropriado para um disco que, no geral, é um deleite aos ouvidos. De qualquer forma, a estrutura e o vigor do disco não são comprometidos, e a música acaba passando despercebida.
No fim das contas, Stars are Indifferent to Astronomy é um grande disco, um verdadeiro prêmio depois de quase quatro anos sem músicas inéditas. Nada aqui é feito com amarras ou limitações. As melodias fluem quase que naturalmente, e a complexidade dos detalhes transforma tudo numa simplicidade elegante, numa sensibilidade que poucas bandas conseguem atingir. Dizer que o Nada Surf fez seu melhor disco desde Let Go, em 2003, pode parecer forçado, mas é a pura verdade. Dizer que o powerpop do grupo busca a perfeição pode ser exagero, mas essa realidade é clara. E dizer, por fim, que o grupo vem repetindo a fórmula já apresentada nos discos anteriores também é verdadeiro. No final, é tudo mais do mesmo, exatamente da forma como deve ser.  Nota: 9,0.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lana Del Rey – Born to Die [POLYDOR]

*Ainda prefiro video games.
 












Lana Del Rey é Elizabeth Grant. Há pouco menos de 6 meses a moça surgiu causando um frisson na indústria fonográfica e nas redes sociais com a sua música “Video Games” – que ganhou um clipe forçosamente “caseiro” - e que chamou a atenção do público por uma mistura improvável de influências musicais, tudo turbinado por um extraordinário alcance vocal. Pois bem, no dia 31 de janeiro de 2012 foi lançado “Born to Die”, primeiro disco de Lizzy Grant sob a alcunha de Lana Del Rey.
 
Ao longo do álbum, depara-se com momentos de intensa qualidade artística e outros, ao contrário, de decepcionantes bobagens. Na verdade, as cinco primeiras músicas são impactantes, grandiosas, compendiando influências do rock clássico, folk, soul, pop, R&B, hip hop e até música clássica. “Born to Die”, primeiro single, abre o disco com um clima quase fantasmagórico, ressaltando um baixo sintetizado, teclados que parecem ressoar numa igreja medieval e uma batida eletrônica recheada de ecos de reverb.
 
“Off the Races” se contorce entre o hip hop, jazz e R&B, e o refrão surge como uma explosão pop. Ponto positivo, também, para a produção intricada, e, principalmente, para a atuação vocal de Lana, que consegue alterar o timbre de voz com uma facilidade impressionante (o que, inclusive, se repete em vários outras canções do disco). O efeito gerado por tais nuanças vocais é que por vezes Lana parece cantar como uma bêbada, ou, por vezes, como uma psicopata convicta, o que engrandece a interpretação das músicas. “Blue Jeans” é a música que Elvis se esqueceu de gravar, e “Video Games” é um hino moderno ao comodismo e à rejeição. 
 













 * Só mesmo uma beldade para reativar minhas inspirações resenhísticas.

 Entretanto, a partir de “National Anthem” e “Dark Paradise”, duas músicas bem fraquinhas e inexpressivas, o disco começa a perder a força. Daí se percebe que músicas excelentes vêm permeadas por outras mambembes. Tanto é que “Radio” - a melhor canção da leva, um entremeado delicioso de pop e rock sessentista, com um vocal esplendoroso e, ao mesmo tempo, esnobe (o que me remeteu a Debbie Harry – Ah... Debbie Harry...) – vem acompanhada de “Carmen”, uma música bizarra num estilo ridiculamente britânico. “Million Dollar Man”, por sua vez, traz uma excelente melodia jazzística, cantada com uma incrível devoção por Lana. Finalmente, após a Summertime Sadness (sobre a qual me recuso a tecer comentários), o disco se encerra com a quase-electropop “This is What I Make Us Girls”, que, se não é das mais inspiradas, também não faz feio.
 
Outro ponto negativo é o conteúdo extremamente melodramático das letras; as vezes é difícil ouvir, repetidas vezes, um tipo excessivo de sofrimento oriundo por rompimentos traumáticos e pela demência do mundo em geral. Contudo, se você, como eu, é daqueles que entende muito pouco do inglês cantado, isso não será dos maiores problemas.

No fim das contas, “Born to Die” fica no plano do razoável. Não constitui um disco à altura da expectativa gerada, mas, se comparado ao atual panorama da música pop, representa um suspiro de novidade, congregando boas influências e algumas excelentes canções. A falta de regularidade a partir de determinado ponto macula a pretensa qualidade do disco, o que reputo ter sido o motivo de algumas opiniões negativas. De todo modo, é uma obra que merece ser ouvida, comentada e tocada, até porque, além de ter uma bela voz e um grande talento para compor, a Lana é uma gata. Acho que tá de bom tamanho, afinal. Nota: 6,5.



quinta-feira, 26 de maio de 2011

Radiohead - The King of Limbs

A complexidade simplória 

Cá estou, observando o breu da madrugada perante a janela. Com uma perplexidade infantil, analiso cuidadosamente as ruas molhadas pelos respingos de água que eventualmente despencam do céu. Por vezes, surgem automóveis, que, como lobos solitários, às vezes trafegam pelas ruas desertas. Sinto uma necessidade extrema de ingerir álcool; sirvo-me uma dose de whiskey barato e sorvo uma parcela generosa, o arrepio parece invadir a alma. Quando a descompassada “Bloom” começa a soar pelos fones de ouvido, já estou imerso e preparado para uma viagem alucinante e perturbadora, que durará quase 40 minutos.



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Certa vez um amigo meu afirmou: "Você não escuta Radiohead, você sente Radiohead". Apesar de ter achado tal assertiva, naquele momento, um tanto piegas, posteriormente consegui compreender o que ele quis dizer. Radiohead se trata, certamente, de uma banda sui generis no mainstream da música pop. 

Desde o início, isto é, de "Pablo Honey", apesar de forma tímida, já era possível notar algo de único, uma espécie de vanguarda contida. De lá para cá a banda fez coisas inacreditáveis. Em "The Bends" e "Ok Computer" operou tentativas extremamente bem sucedidas de firmar uma musicalidade perfeita, cujos efeitos ricochetearam por todos os lados, praticamente estabelecendo as novas diretrizes da música inglesa. "Kid A" e "Amnesiac", por sua vez, tentaram, de forma iconoclasta, desconstituir ao extremo tudo o que a banda havia produzido até então, numa forma de suicídio musical. Diz-se, desde então, que o Radiohead esfriou. A partir de "Hail to the Thief" tornou-se impossível prever para onde o grupo seguiria. "In Rainbows" surgiria depois, com o retorno triunfante das guitarras, mescladas com os dissonantes beats eletrônicos e melodias mais fluidas e amigáveis, parecendo que a banda, enfim, havia encontrado sua sonoridade perfeita. 

 
















* Meninos talentosos

Daí surge, inesperadamente, "The King of Limbs". Nas primeiras audições, fiquei pasmo. A estranheza à primeira vista (ou escutada), uma constante desde os primeiros discos do grupo, permanece a mesma. O que me saltou aos olhos (ou aos ouvidos), desde o começo, é a infinita tristeza/sombriedade contida no disco. As guitarras foram embora, só restaram tímidos violões; as letras possuem sentidos obscuros; a voz de Thom Yorke mantém um tenebroso ar fantasmagórico; ambientações eletrônicas conduzem, às vezes timidamente, às vezes ressaltadas, a maior parte das canções. Parece, na verdade, o retrato do fim do mundo. Mas, é exatamente aí que The King of Limbs esconde sua beleza majestosa.

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Bloom é a introdução devastadora, uma visão terrível de uma terra em destruição. Mas é um mundo de introspecção, íntimo. E o eu-lírico mergulha nos olhos encharcados pelas lágrimas, e, numa ironia quase pungente, ainda diz observar um peixinho nadando. Quanto a mim, eu mergulho na vastidão noturna, mesmo que assista apenas de camarote aquele espetáculo silencioso. Mas o whiskey barato ainda desce cortante, queimando minhas entranhas. O oceano floresce, engole a terra, enquanto o mundo calmamente desaparece no fundo do mar. Neste momento, o vocal de Yorke parece um punhal, e aí sinto sua poesia a fundo: "and while the ocean blooms / it's what keeps me alive"

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As canções, intrisecamente interligadas, fazem do todo um conjunto complexo, parecendo um disco de uma música só. À medida que se familiariza com as músicas, tudo vai se tornando sombrio e belo, resultando numa dualidade devastadora entre a angústia e a rendição. É o efeito de uma combinação sinérgica entre ambient music, jazz fusion, new age e o rock tipicamente britânico da banda. Com essa junção, o Radiohead conseguiu ser tão intimista que Brian Eno deve ter corado ao ouvir o disco.

Um pouco diferente da linha do disco anterior, as letras estão mais indiretas, e até confusas. Mas, até certo ponto, elas parecem interligar-se entre si. Durante quase o disco inteiro, a voz de Yorke não parece humana, assemelhando-se quase a um instrumento musical. E, esse particular, é um dos pontos fortes do disco. Tom Yorke canta como não se houvesse amanhã, e isso ressalta a desolação do disco. Radiohead e Sigur Rós nunca estiveram tão próximos.

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Já um pouco tonto, e ainda sentindo a ressonância do riff de guitarra da fantástica "Morning Mr. Magpie", uma evolução do conceito de "Bodysnatchers", "Little By Little" começa, justamente quando estou mais vulnerável. O relógio de letreiro berrante marca 3:14 da manhã, e uma brisa fria anuncia o fim da chuva. Sentado, agora, na poltrona, e olhando para o fundo do quarto, a única coisa que consigo identificar é a silhueta do violão. Feral, a quarta faixa, inicia, e, com auxílio de seu ar fantasmagórico, começo a observar vultos dançando na minha frente. – Olá, vocês podem me ouvir? – Como não obtive resposta, fiquei em silêncio.

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As reações ao disco (que foi lançado de surpresa, a exemplo de outros trabalhos anteriores do grupo) foram as mais diversas. No geral, foi aclamado como um grande trabalho (para variar), mas não sem razão. É um disco que cresce ao longo do tempo, só transparecendo sua genialidade após excessivas audições. Análises apressadas podem faltamente ensejar uma percepção errônea, de que supostamente se trata de uma obra menor na discografia da banda (http://screamyell.com.br/site/2011/02/28/cds-beady-eye-pj-harvey-radiohead/). Intimismo, na verdade, sempre foi ligado à inferioridade. Ora bolas, é mais fácil falar mal de algo que parece simples, e falar bem de algo que parece complexo. Para que tanta parafernália, se, na real, o que importa é a música? Bandas como Vampire Weekend não me deixam mentir.















*Dança espartana estilosa. 

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Quando “Lotus Flower”, o primeiro single do disco, começa, já estou completamente imerso na escuridão do meu quarto. Após focar durante minutos a fio o único ponto luminoso – o letreiro do relógio digital – minha visão periférica resta temporariamente comprometida, e a sensação é incrível. A melodia tenebrosa invade os ouvidos, e cruza o cérebro como um projétil atirado à queima roupa. Sinistras ambientações eletrônicas (que só podem ser notadas com o auxílio do fone de ouvido), parecem, as vezes, tomar conta do andamento da música. Nesse momento, levanto-me e arrisco uma dança desengonçada, a exemplo de Thom Yorke no clipe da música. Agora já estou dançando em meio aos vultos, e eles parecem sorridentes.

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Talvez o único ponto negativo do disco esteja mesmo na última canção, Separator, não porque seja exatamente ruim, mas sim em virtude de sua produção e arranjo burocráticos. Aqui a banda peca pela repetição, soando preguiçosa, e o disco perde força no final. Mas, de fato, é a única música viável para finalizar o disco.

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Codex, a melhor música do disco (uma espécie de balada mordaz e triste no estilo Smiths) começa, e já estou em estado de transe, pronto para apreciar a canção em seu estado puro que só é possível na mais profunda escuridão. Agora deito na cama e fecho os olhos. A letra parece confessar um sonho, daqueles que se situam na divisória entre o sonho bom e o pesadelo. Mas, na verdade, a música parece ser uma absolvição de um suicídio: “Slide your hand / Jump off the end / The water’s clear and innocent”. Yorke nunca cantou tão bem, e sua voz envolve tudo, parecendo emanar de todos os cantos do quarto. A música é simples e fantástica, uma das melhores que o grupo já fez. Give Up The Ghost inicia, e Thom Yorke, em tom de súplica, pede para alguém não machucá-lo. Neste momento, o corpo amolece, e começo a sentir o torpor sonolento ocasionado pelo cansaço e pelo álcool.

Pela metade de Separator adormeço completamente, e, quando acordo, totalmente descansado, não consigo lembrar com detalhes da madrugada anterior. Observo o quarto em volta, já tomado pelos raios fustigantes do sol. Caminho até a janela e, só aí, percebo a garrafa de whiskey encostada no criado mudo. Neste instante, ensaio um leve sorriso de satisfação, e lembro que tive um sonho; um sonho sensacional. Nota: 9,0.  



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nada Surf - If I Had a Hi-fi [MARDEV]

A Beleza de Interpretar

Sempre guardei um ódio mortal contra discos de covers. Quando escuto Emmerson Nogueira, nesses bares fim-de-noite, principalmente aquele DVD acústico, pedante, tenho vontade de vomitar na televisão e no aparelho de som do botequim. É ultrajante ver alguém ganhando milhares a custa do esforço e intelecto de outrem. Certa vez, vi uma entrevista com o Korn, e o tal do vocalista afirmou que "não respeitava ninguém que não cantasse suas próprias músicas". E é por aí a minha opnião: à medida que o trabalho de compor passa da ser comercializado, a química e a beleza da arte acabam, e a obra vira algo sem espírito. É o mesmo que ganhar fama por um livro que você não escreveu.

Entretanto, na medida em que determinado artista ou banda, ao fazer covers de canções que fazerm parte de suas influências, transformando-as e transmudando-as ao seu estilo particular, aí nasce a arte da interpretação, que, muitas vezes, se torna tão difícil quanto o processo de composição. E eu digo isso porque interpretar é realmente um trabalho árduo; é manter a sonoridade e a beleza de uma canção geralmente já conhecida, mas deixando-a com uma vestimenta diferente, ou, às vezes, uma máscara, que, de tão densa, aviva outras particularidades da canção que ninguém jamais percebera. Foi exatamente isso que Johnny Cash fez em seu melancólico e fantástico American IV - The Man Comes Around, por exemplo, e tantos outros intérpretes bem sucedidos.

O Nada Surf, fantástica banda de Nova York, dona de pelo menos uma obra-prima [Let Go - 2003], e uma carreira bem sólida, em seu novo disco, lançado mês passado, faz uma revisitação de alguns clássicos e de algumas músicas inteiramente desconhecidas. E, porque não adiantar, o disco constitui uma bela junção de canções. Inicialmente, fiquei um pouco desapontado por não conter um converzinho sequer do Teenage Fanclub,  Big Star ou Byrds, sem dúvidas, as três maiores influências da banda. Depois pensei, contudo, que seria óbvio demais, já que o espírito das bandas citadas já permeia quase que exclusivamente o disco inteiro, afinal, o caras tocam umas espécie Powerpop purista.















Power Trio. 



O disco começa com um petardo powerpop de Bill Fox (vocalista da desconhecida e extinta The Mice) chamado Electrocution, cuja versão original não tive o prazer de ouvir. É, de fato, a abertura perfeita de um disco tão ensolarado com If I Had a Hi-Fi, com refrão repetitivo, mas viciante, e guitarra militricamente distorcida, que dura tempo para desagregar de seus neurônios.

Antes que você se recupere da primeira faixa,  a banda entrega, na próxima, um inesperado cover de Enjoy The Silence do Depeche Mode. Ouvintes incautos podem até nem perceber que se trata da mesma música, tamanha a diferença do arranjo, e, até mesmo, da melodia do refrão. Mas, SANTO DEUS, a versão é uma obra-prima. As batidas eletrônicas, bem como os sons dos sintetizadores, são substituídos por guitarradas, backing vocals e uma linha de baixo descomunal. A canção, se, em sua versão original, possuía um arranjo um tanto horrendo, se tornou algo puro, instintivo. O que era denso e depressivo, virou rendição. Parece que ela nasceu para ser tocada assim.


Também tenho que citar a incrível versão de Love and Anger de Kate Bush: uma canção gélida transformada em alegria. Como um refrão tão triste, que diz: "take away the love and the anger / and the little piece of hope holding us together / looking for a moment that'll never happen / living in the gap between past and future" pode sofrer tamanha alteração subjetiva ao ponto de, ao invés de dor e sofrimento, demonstrar uma forma de esperança tardia de quem acredita num relacionamento  que está desmoronando? Isso é a força da interpretação, conforme citei acima. É o ápice do disco. 

You Are So Warm do Dwight Twilley, outro representante do powerpop, é interpretada de forma singela,  desprentensiosa, porém tão encharcada de sentimento, que o ouvinte sucumbe aos seus acordes. Seria o que o Teenage Fanclub faria se numa passagem de som, ou numa brincadeira de estúdio, tocasse de soslaio essa música. O coração dos fannies bate feroz aqui. Love Goes On, do Go-Betweens, também anima, e difere sobremaneira da versão original. A famosa Question, da clássica banda de rock psicodélico e progressivo Moody Blues, com quase seis minutos de duração, e distorção no talo, deixou de ser algo datado dos anos 60, para se transformar num rock vigoroso e, no break, algo profundamente sentimental. Janine, do pouco lembrado Arthur Russell, apesar de parecer um pouco deslocada no conjunto da obra, também é uma pérola.   














Bons garotos. 


A parte ruim, novamente, fica por conta da obsessão recorrente da banda de cantar em francês. Bye Bye Beautê, de Coralie Clément (seja lá quem for) é pálida e sem motivo aparente de surgir no álbum. Funciona como um freio irritante ao crescendo de explosão melódica que se escuta ao longo do disco. É chata e não acrescenta nada. Evolución, cantada em espanhol (sim, os rapazes são POLIGLOTAS), de uma banda chamada Mecromina, é espaçosa, preguiçosa, repleta de ambientações psicodélicas, aparentemente sem razão de estar ali. Até que ela anima no final, mas nem isso a salva. A versão de The Agony of Laffitte, do Spoon, simplesmente não funciona, tornando-a sem vida. Nem sempre querer é poder, isso é fato.

Cabe, ainda, registrar um ponto, que, se não constitui exatamente um defeito, representa um fator negativo de ordem externa. É que a amplitude da obra só pode ser devidamente apreciada caso quem escuta já esteja um pouco familiarizado com o som da banda. Digo isso porque se alguém, que nunca os ouviu, debutar escutando esse disco, provavelmente vai tirar conclusões precipitadas, ante os arranjos simplórios, do tipo de que eles são como  um Emmerson Nogueira, só que alternativos. Na verdade, a simplicidade dos covers contidos no disco é exatamente a maior riqueza que a banda tem para mostrar (meu deus, se trata de um trio!) e é exatamente isso que eles vêm fazendo em seus discos mais recentes, mais propriamente depois do excelente The Proximity Effect, quando abandonaram definitivamente o estigma de soar como um primo torto do Weezer.

No fim das contas, If I Had a Hi-fi é uma ótima coletânea de ricas e verdadeiras interpretações, misturando todas as excelentes influências da banda, e tentando (e conseguindo), dar uma nova forma a essas músicas, alterando a forma de pensá-las e ouvi-las. E é esse o objetivo primordial de um disco do tipo. Se antes víamos depressão, agora percebemos uma esperança, mesmo que seja ingênua.  Além disso, a escolha milimétrica das canções, que nada transparece de óbvio, é essencial. Na verdade, ultrapassando o limite sensorial oriundo de cada música, se trata o disco de um grande tributo a este estilo musical tão incompreendido que é o powerpop. Reflete uma alegria franca, sem pudor, sem ilusões. Enquanto houver bandas assim, o mundo tá salvo. Tenho dito. Nota 7,5.


















quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Katy Perry - Teenage Dream [CAPITOL]

A intransigência da espontaneidade.
 












A música pop é uma vadia. Rodada. Usada. Sequer possui uma conceituação precisa e até mesmo sua origem é obscura. Seus adeptos (artistas e produtores) mesclam estilos musicais com a mesma virtude que possui um apostador assíduo da loteria: SEM RUMO. Durante muito tempo tive um preconceito quase que mortal por tal estilo musical (se é que podemos falar assim), talvez por perceber a banalização que se generalizou entre o meio. Aos poucos, com calma, pinçando aqui e ali, até encontrava material de qualidade, que, na verdade, eram como flores perdidas num deserto de pastelões.

Entra ano, sai ano, e somos bombardeados por bandas e artistas fabricados e impostos pela mídia. Eles são bonitinhos; tocam nas rádios milhares de vezes por dia; são os primeiros das paradas; seus clipes invadem a televisão e a internet; os discos vendem milhões. O estilo passou a ser denominado Pop Music, constituindo uma espécie de junção torta de diversos estilos musicais,  como o R&B, Disco Music, Música Eletrônica, New Wave, Pós-punk, Rock e milhares de outras vertentes que vêm agregadas.  Tem como seus maiores expoentes Madonna e o finado Michael Jackson ("O Rei do Pop" - AHA!), que deus o tenha.

Seu modelo, como hoje conhecemos, remonta ao surgimento da MTV (1980), resgatando as atividades predatórias da indústria fonográfica americana e inglesa na era pré-Beatles, época do surgimento das grandes gravadoras, na qual os artistas eram escolhidos a dedo e as músicas eram encomendadas.

Katy Perry, a nova queridinha do pop [ARGH!], é linda, dona de uma voz  vulgar, no bom sentido, e de um estilo, ahn, digamos,  "provocante" (EUFEMISMO mode: ON). Estourou nas paradas em 2008, com seu razoável primeiro disco One of The Boys, que mais parecia uma colêtanea, haja vista a quantidade de singles bem sucedidos. O álbum teve uma mão forte da produção, criando verdadeiras proezas, como o clima lésbico-irônico de I Kissed a Girl, que era bem massa, na real. Hot'n'Cold, por sua vez, tem um dos melhores refrões que eu já ouvi na minha vida. Entretanto, a obra, bem na linha do rock de arena, se tornava muitas vezes cansativa e repleta de clichês. Tenho que conceder certo mérito a Katy Perry, pois, na contramão do que a maioria das artistas de sua estirpe faz, ela assina a co-autoria de diversas faixas de seus discos, o que lhe faz ter alguma credibilidade nas ruas.
















Katy... ahn, deixa pra lá, essa foto vai ficar sem legenda.

Teenage Dream, o segundo álbum, lançado mês passado, traz, logo de cara, uma pesada influência electropop, o que é uma lástima. O que se percebe ao longo da audição é a perniciosa falta de espontaneidade à qual os artistas pop são prisioneiros. As canções descrevem aquele ciclo datado de verso-refrão-verso-refrão-ponte-refrão, e cada batida, backing vocal, e até mesmo as vocalizações da garota parecem ser militricamente pensadas e incluídas como dogmas impostos. Contudo, não é este o fato que torna, unicamente, o disco ruim, mas também a qualidade das composições, conforme será explicado abaixo.

Ao longo do disco, o que se vê são canções medíocres, sem força, sem personalidade, isto é, bem ao contrário do primeiro disco da garota, que ao menos transparecia uma certa vitalidade juvenil. O que parece, na verdade, é que ela tenta se desvencilhar do esteriótipo "menina má", que em termos deu certo no primeiro disco, e tornar-se uma "diva do pop", mais ou menos na estratégia que a própria Madonna teve êxito em realizar. Entretanto, quando tudo se torna sério de mais, o mundo começa a te exigir qualidade, e se o trabalho é fraco, o que antes era uma festa na piscina, se torna uma festa de bodas de ouro com aqueles tiozões balofos e hipertensos tomando seus whiskeys e reclamando sobre as dores nos joelhos.

Teenage Dream, música que abre o disco, possui uma letra quase débilmental, e uma melodia frágil de mais, simplória; poderia ter sido composta por uma adolescente na fase pré-puberdade. Ela é tão ruim, tão péssima, que eu não me surpreenderia em vê-la estourando nos primeiros lugares das paradas. Peacock entrou na lista das piores musicas que eu já ouvi na minha vida, SÉRIO. Sem falar que, a partir da faixa nº 9 (Who Am I Living For?), o álbum se torna maçante e inteiramente insuportável.






















Bonitinha, mas a música é ordinária. 

Entretanto, não posso afirmar que tudo é descartável. Carlifornia Gurls, com um refrão marcante e guitarras groovadas, além da participação pastelona de Snoop Dog, é interessante e divertida, e mostra que Katy Perry ainda guarda um pouco daquele estilo "revoltadinho" do primeiro disco. Last Friday Night parece o Weezer dos tempos atuais, trazendo uma levada rockeira bem massa e repleta de distorções, mas, ao mesmo tempo, extremamente acessível e pop, sem pretensões. Era exatamente isso que eu pretendia ouvir no segundo trabalho da garota, tudo aquilo que era bom no primeiro disco e que poderia ser aproveitado com composições menos burocráticas e mais diretas. Circle The Drain tem um trabalho de produção intrincado, que a deixa razoável. MAS É SÓ.

Katy Perry se tornou fantoche de sua gravadora, a gigante CAPITOL, que sempre veio muito preocupada em vomitar sucessos em detrimento do estilo particular de seus músicos. A falta de espontaneidade, imposta pelas gravadoras, apesar de muitas vezes coibir certas guinadas indesejáveis por parte dos artistas, acaba tornando-os indefesos e frustrados. Nem sempre o que é sério é bom, e o que é divertido é ruim. Bandas como Weezer e Tenacious D são provas vivas disso. Diversão era exatamente o que eu esperava desse disco, mas, ao contrário, quase só encontrei um esforço inútil (sério e conservador) de soar como a Madonna. Se isso foi escolha da própria Katy ou de uma gravadora sem escrúpulos, isso eu não sei. Mas tá aí, deu merda. Nota: 3,5  





segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Black Rebel Motorcycle Club - Beat the Devil's Tatoo [VAGRANT - 2010]

Adquirir experiência é algo sublime, seja em quaisquer aspectos ou esferas da vida, tal como no trabalho, nos hobbys, nas aptidões etc. Contudo, à medida que você passa a demonstrar uma maior maturidade, o mundo te cobra em escala proporcional, e o peso da responsabilidade começa a ser um fardo.

Na música isso ocorre de forma mais acentuada à medida que determinado artista ou banda iniciante, diante de um grande disco, sofre com as expectativas da mídia e dos fãs recém-formados. Por vezes, a cobrança é tão grande, que se espera uma verdadeira obra-prima no segundo trabalho, fato que os críticos passaram a denominar "síndrome do segundo disco". Somente a título de exemplo, na história recente, isso aconteceu com os Strokes e Killers, que, não obstante a vísivel qualidade de Room on Fire e Sam's Town, respectivamente, foram tremendamente subjugados. 

Também é verdade que, em determinadas ocasiões, alguns músicos, movidos por interesses de caráter espiritual ou iconoclasta, praticamente cometem um "suícidio musical", abolindo suas vertentes musicais expostas até então para ingressarem em uma aventura inteiramente nova.

Ambas as hipóteses pressupõem uma maior experiência e constituem uma prova de maturidade (já que não se pode admitir que uma banda, que já possui uma base sólida de fãs, mude seu som do dia para a noite sem saber exatamente o que está fazendo). Existem algums exemplos de investidas e guinadas bem sucedidas, como no caso do Radiohead, Los Hermanos, cujas mudanças radicais trouxeram, inexoravelmente, efeitos extremamente positivos para o cenário musical (para se constatar tal afirmação, basta perceber como o "Kid A" antecipou toda a tendência do rock e pop da década de 00, e o "Bloco do Eu Sozinho" influenciou 9 entre 10 bandas nacionais que surgiram desde então).

Tal introdução se mostrou necessária porque o Black Rebel Motorcycle Club (a partir de agora denominamento apenas BRMC), em manobra parecida, após dois discos iniciais insossos, transmudaram radicalmente seu som no incrível "Howl", disco que demostrava uma veia musical Norte-americana, calcada no blues de raiz e no folk, estilos até então inexistentes, ou, no mínimo, irrelevantes, na história da banda. Claro que tal decisão pode ter sido adotada por motivos escusos, como o pé na bunda que eles levaram da Virgin; ou, simplesmente, diante da constatação de que eles não poderiam fazer aquele rockinho para sempre. Mas o fato, e isso não se contesta, é que "Howl" é um ótimo disco, trazendo um clima incrivelmente forte, o que sempre me dava a impressão de me sentir dentro de um filme de faroeste do Clint Eastwood.

No entanto, após "Baby 61"ser lançado, disco este posterior ao "Howl", a banda voltou a fazer, basicamente, a mesma ladainha de antes. Apesar do disco ser mais palatável e mais trabalhado, o fato é que o grupo se mostrava indeciso. A vísivel contraposição de influências, que ora tendiam ao Shoegazer inglês e ao Britpop e ora oscilava entre o Blues e Folk americanos, parecia criar uma muralha intransponível, diante da qual a banda não conseguia achar um meio-termo. É bem verdade que eles chegaram perto, com Howl (a música) e "Sympathetic Noose", mas, ainda assim, era tudo feito de forma muito tímida.

Em "Beat The Devil's Tatoo", contudo, é que o jogo muda. A saída do ex-baterista Nick Jago, e a sua substituíção por Leah Shapiro [Raveonettes], tecnicamente, não pareceu alterar muita coisa, mas ao que parece ela trouxe, pelo menos no campo espiritual, algo novo para a banda. Percebe-se um intenso esforço do grupo em tentar mesclar suas influências musicais aparentementes antagônicas: a aspereza da música Norte-Americana com a simplicidade desconcertante do shoegazer inglês. E, de certo modo, o grupo consegue fazê-lo, com certo mérito da competente produção de Michael Been (que desde já presto minhas homenagens, já que o produtor faleceu em 18 de agosto de 2010, logo após um show do BRMC).  
















* Crube da Motoca Preta.

A primeira faixa, homônima ao disco, faz a anunciação: vocal arrastado, uma batida sincopada e frenética, riff poderoso e um baixo pulsante, tudo isso entremeado a uma zuadeira de distorções sem fim. É um começo promissor. Concience Killer é um soco na barriga, um fritada rockeira, com versos rasgados do tipo: "I'm a constant sinner / A conscience killer / I'm a righteous heartache / Never gonna let you get close to mine". 

Bad Blood é algo inexplicável de linda. Seis minutos de tudo de bom que banda fez até hoje. É a mistura perfeita de influências; uma quase balada que traz conceitos americanos e britânicos de como se faz rock and roll. Ouvindo essa música, me pareceu que finalmente a banda resolvera a antítese que permeara seus quatro discos anteriores.

Já estava como medo de presenciar uma nova obra-prima quando War Machine, quarta faixa, começou a tocar. E aqui a banda erra feio. A música se arrasta, a banda se arrasta, e, no máximo, consegue soar preguiçosa. A canção é uma espécie de blues quadrado, meio ao estilo Led Zeppelin, mas com execução desastrosa.

A partir daí o disco vira um carrossel entre empolgação-cansaço-empolgação-cansaço. Pelo menos mais duas faixas ruins permeiam o disco, quais sejam, Evol e River Styx. Aya poderia ser boa, se não fosse a fixação quase doentia por transformá-la num supra-sumo shoegazer. Em meio a isso, belas baladas como "Sweet Feeling" e "The Toll" trazem o folk à tona, com gaita truando, bem ao estilão Woody Guthier e Bob Dylan, ícones da música Norte-Americana. Mama Taught me Better e a inusitada Long Way Down, que lembra Beatles na fase pós-psicodelia, trazem boas adições ao repertório do grupo. A derradeira canção, Half-State, com seus dez minutos de duração, traduz perfeitamente a proposta do grupo; é memorável, trazendo ao ouvinte a sensação de que, com um pouco mais de esforço, o BRMC realmente poderia ter feito outra obra-prima. 










* Nova formação, com Leah Shapiro nas baquetas.




No fim das contas, Beat The Devil's Tatoo é um bom disco, refletindo uma banda que, aos poucos, constrói o verdadeiro sentido e estilo de suas canções. A experiência adquirida é enorme, afinal, se trata de uma banda com mais de 10 anos de carreira. Com um grande disco atrás das costas e um punhado de canções excelentes, o BRMC não é nada dispensável, e traz consigo uma proposta de fusão entre subespécies do rock and roll aparentemente antagônicas, o que é, de fato, uma grande missão. É uma pena que o disco não reproduza a banda em seu estado mais criativo, cansando o ouvinte em diversos momentos. Mas, também, é louvável que a banda consiga compor e executar canções memoráveis, como, por exemplo, Bad Blood e Half-state, que representam o tamanho do talento latente, já expressado, em sua forma plena, no cultuado album Howl. Enfim, vale a pena, mas fico na espera pelo próximo. Nota: 6,5

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Teenage Fanclub - Shadows [2010 - MERGE]

Teenage Fanclub - Shadows [2010 - MERGE]




Quando ouvi Teenage Fanclub pela primeira vez, em meio a uma playlist repleta de rock pesado e progressivo, sofri uma espécie de crise existencial. Enquanto ressoavam pelo headphone as incríveis canções sinistramente pops do cultuado disco Grand Prix, tive a sensação de uma flecha ter atravessado minha cabeça. Aquilo não fazia parte do que eu convencionara ser “bom”, mas, obviamente, se tratava uma peça de arte absolutamente superior a tudo que eu havia escutado anteriormente; uma obra cuja audição conduz a um estado de espírito único, à rendição da alma. Posteriormente, viria a constatar que Neil Jung é a melhor música já composta em toda a história da era moderna.

À medida que ouvia compulsivamente os demais discos do grupo, e, até mesmo, os bootlegs, singles e bonus tracks, percebi que havia uma consistência fantástica nos discos lançados, sempre com melodias arrasadoras e excelentes arranjos, o que era encontrado, até mesmo, no material extra.

Passado o intróito, furto-me em comentar acerca da história discográfica da banda, até porque se fosse falar a respeito terminaria por construir uma verdadeira obra monográfica. O que importa, quando falamos dos fannies, é acentuar a presença de três talentosíssimos compositores, responsáveis pela magnificência do grupo. Normam Blake (Neil Jung, The Concept, Mellow Doubt etc) é o dono das canções mais diretas e arrebatadoras. Gerard Love (Going Places, Spark’s Dream, Radio etc), fazendo jus ao seu cargo de baixista, compõe as melodias mais complexas e intrincadas, que levam o ouvinte a um mundo de distorções, harmonias vocais suntosas, e arranjos meticulosos. Raymond Macglinley (Your Love Is The Plance Where I Come From, I Don’t Know, About You etc) é responsável pelas canções mais puristas, simples, mas não menos inspiradas. O três dividem as músicas dos discos de forma democrática, quatro para cada, sendo que cada autor assume os vocais em suas respectivas canções.















* A trupe reunida

Assim que terminei de baixar o disco, e colocá-lo em minha playlist, pensei: putz, esse é o Teenage Fanclub, a melhor banda do mundo, e já faz cinco anos desde o lançamento do último disco. Um pouco receoso, cliquei em Sometimes I Don't Need To Believe In Anything, e, já durante os primeiros acordes, percebi, sorrindo, o meu receio se dissipar.

E não seria impróprio dizer que Shadows é um dos trabalhos mais concisos do grupo. Diferentemente do disco anterior, Man-made, cuja alma lo-fi e minimalista trazia a sensação do fim iminente, tranparecendo dor e indiferença perante a vida, Shadows surge cheio de boas perspectivas e de esperanças. A primeira canção, já citada anteriormente, de autoria de Love, é um retalho do que se convencionou chamar de british invasion (ou invasão inglesa) durante os anos 60, explodindo num refrão majestoso repleto de metais e regozijantes backing vocals. Sem dúvida, uma das melhores músicas deles até hoje. Love é o responsável pelos arranjos intrincados que levam Shadows a uma outra dimensão: a busca pela perfeição. Suas canções primam pela precisão cirúrgica de cada linha de baixo, de guitarra e de bateria, fazendo incluir várias camadas de instrumentos. Into The City é psicodélica até os ossos, desembocando numa bridge bem ao estilo Beach Boys, fantástica.

Norman Blake, bem ao seu estilo, traz pérolas como Baby Lee, balada pop de primeira linha, que se amarra aos neurônios de modo que você se surpreende assoviando-a no meio da rua. Dark Clouds traz versos otimistias: 'Dark clouds are following you, but they'll drift away / i watched the night turning into a day', bem ao contrário do disco anterior. Mas é com Back of My Mind que Blake traz de volta o espírito épico de suas antigas canções: melodia simples, arrasadora, um refrão memorável, tudo entremeado às séries de guitarradas que conduzem a bela letra a uma catarse powerpopper. Sempre que escuto essa música agradeço aos céus por ter nascido humano e com um par de ouvidos eficientes. É incrível como, com o passar do tempo e de tantos discos, ainda consiga manter uma produção artística invejável. Essa cara, quando tinha nove anos, em um beco sujo de Glaslow, encontrou um livro deteriorado e perdido numa lata de lixo, datado de 1057 a.c, intitulado '1001 melodias incríveis'. SÉRIO.

Macglingley, por sua vez, traz belas canções como The Past e a folk-rock-progressiva-grand-finale Today Never Ends. Também tenho que tirar o chapéu para esse cara, afinal, ele mal compunha nos primeiros discos. A partir de Grand Prix, passou a construir um repertório sólido, contribuindo de forma determinante à delineação do estilo da banda a partir de então. Em Howdy!, na minha opnião, ele superou os outros dois integrantes, que sempre foram tidos como "superiores". Também é o dono da voz mais bacana.


















* Old times


Entretanto, como diria o poeta, nem tudo são flores. Macglingley, infezlimente, é o responsável pela parte sofrível da obra. The Fall, lembrando um pouco de Smiths (SIM, SMITHS) com mais de cinco minutos de melodia sem graça, chega a ser irritante. Live with the Seasons começa bem, mas peca pelo arranjo repetitivo. Tais escapadas tendem a desestruturar um pouco a base do disco, que se torna cansativo em alguns momentos. Apesar disso, é incrível notar como as composições dos três se completam, o que ainda continua sendo uma das coisas mais curiosas acerca do grupo.

Sem dúvida, um dos grandes lançamentos do ano. Contudo, apesar do disco ter sido ovacionado pela crítica especializada, obtendo um invejável METASCORE 81 (www.metacritic.com), os gigantes da mídia musical (LEIA-SE MTV) não concedem o devido valor, até porque já circunda ao redor da banda um clima cult inexplicável (apesar do som ser extremamente acessível). Baby Lee bem que poderia ser o hit dessa temporada, mas não será, por vários motivos, que inclui falta de patrocínio, de jabá, e, principalmente, pelo fato de que, hoje, sinômino de sucesso é parecer com a Lady Gaga.

Concluindo, “Shadows”, para mim, é uma obra bela e purista em meio ao caos que se tornou a música pop. É um alento aos ouvidos. Não chega a ser ESSENCIAL, como, por exemplo, “Grand Prix”, mas acrescenta uma página importante na história de uma das melhores bandas da atualidade; na minha humilde opnião, a melhor do mundo. Nota: 8,5.

Músicas:
http://www.youtube.com/watch?v=A4H8F3TxSzQ
http://www.youtube.com/watch?v=wmmckwDSPOI

http://www.youtube.com/watch?v=d_k4Hfm15go