terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nada Surf - If I Had a Hi-fi [MARDEV]

A Beleza de Interpretar

Sempre guardei um ódio mortal contra discos de covers. Quando escuto Emmerson Nogueira, nesses bares fim-de-noite, principalmente aquele DVD acústico, pedante, tenho vontade de vomitar na televisão e no aparelho de som do botequim. É ultrajante ver alguém ganhando milhares a custa do esforço e intelecto de outrem. Certa vez, vi uma entrevista com o Korn, e o tal do vocalista afirmou que "não respeitava ninguém que não cantasse suas próprias músicas". E é por aí a minha opnião: à medida que o trabalho de compor passa da ser comercializado, a química e a beleza da arte acabam, e a obra vira algo sem espírito. É o mesmo que ganhar fama por um livro que você não escreveu.

Entretanto, na medida em que determinado artista ou banda, ao fazer covers de canções que fazerm parte de suas influências, transformando-as e transmudando-as ao seu estilo particular, aí nasce a arte da interpretação, que, muitas vezes, se torna tão difícil quanto o processo de composição. E eu digo isso porque interpretar é realmente um trabalho árduo; é manter a sonoridade e a beleza de uma canção geralmente já conhecida, mas deixando-a com uma vestimenta diferente, ou, às vezes, uma máscara, que, de tão densa, aviva outras particularidades da canção que ninguém jamais percebera. Foi exatamente isso que Johnny Cash fez em seu melancólico e fantástico American IV - The Man Comes Around, por exemplo, e tantos outros intérpretes bem sucedidos.

O Nada Surf, fantástica banda de Nova York, dona de pelo menos uma obra-prima [Let Go - 2003], e uma carreira bem sólida, em seu novo disco, lançado mês passado, faz uma revisitação de alguns clássicos e de algumas músicas inteiramente desconhecidas. E, porque não adiantar, o disco constitui uma bela junção de canções. Inicialmente, fiquei um pouco desapontado por não conter um converzinho sequer do Teenage Fanclub,  Big Star ou Byrds, sem dúvidas, as três maiores influências da banda. Depois pensei, contudo, que seria óbvio demais, já que o espírito das bandas citadas já permeia quase que exclusivamente o disco inteiro, afinal, o caras tocam umas espécie Powerpop purista.















Power Trio. 



O disco começa com um petardo powerpop de Bill Fox (vocalista da desconhecida e extinta The Mice) chamado Electrocution, cuja versão original não tive o prazer de ouvir. É, de fato, a abertura perfeita de um disco tão ensolarado com If I Had a Hi-Fi, com refrão repetitivo, mas viciante, e guitarra militricamente distorcida, que dura tempo para desagregar de seus neurônios.

Antes que você se recupere da primeira faixa,  a banda entrega, na próxima, um inesperado cover de Enjoy The Silence do Depeche Mode. Ouvintes incautos podem até nem perceber que se trata da mesma música, tamanha a diferença do arranjo, e, até mesmo, da melodia do refrão. Mas, SANTO DEUS, a versão é uma obra-prima. As batidas eletrônicas, bem como os sons dos sintetizadores, são substituídos por guitarradas, backing vocals e uma linha de baixo descomunal. A canção, se, em sua versão original, possuía um arranjo um tanto horrendo, se tornou algo puro, instintivo. O que era denso e depressivo, virou rendição. Parece que ela nasceu para ser tocada assim.


Também tenho que citar a incrível versão de Love and Anger de Kate Bush: uma canção gélida transformada em alegria. Como um refrão tão triste, que diz: "take away the love and the anger / and the little piece of hope holding us together / looking for a moment that'll never happen / living in the gap between past and future" pode sofrer tamanha alteração subjetiva ao ponto de, ao invés de dor e sofrimento, demonstrar uma forma de esperança tardia de quem acredita num relacionamento  que está desmoronando? Isso é a força da interpretação, conforme citei acima. É o ápice do disco. 

You Are So Warm do Dwight Twilley, outro representante do powerpop, é interpretada de forma singela,  desprentensiosa, porém tão encharcada de sentimento, que o ouvinte sucumbe aos seus acordes. Seria o que o Teenage Fanclub faria se numa passagem de som, ou numa brincadeira de estúdio, tocasse de soslaio essa música. O coração dos fannies bate feroz aqui. Love Goes On, do Go-Betweens, também anima, e difere sobremaneira da versão original. A famosa Question, da clássica banda de rock psicodélico e progressivo Moody Blues, com quase seis minutos de duração, e distorção no talo, deixou de ser algo datado dos anos 60, para se transformar num rock vigoroso e, no break, algo profundamente sentimental. Janine, do pouco lembrado Arthur Russell, apesar de parecer um pouco deslocada no conjunto da obra, também é uma pérola.   














Bons garotos. 


A parte ruim, novamente, fica por conta da obsessão recorrente da banda de cantar em francês. Bye Bye Beautê, de Coralie Clément (seja lá quem for) é pálida e sem motivo aparente de surgir no álbum. Funciona como um freio irritante ao crescendo de explosão melódica que se escuta ao longo do disco. É chata e não acrescenta nada. Evolución, cantada em espanhol (sim, os rapazes são POLIGLOTAS), de uma banda chamada Mecromina, é espaçosa, preguiçosa, repleta de ambientações psicodélicas, aparentemente sem razão de estar ali. Até que ela anima no final, mas nem isso a salva. A versão de The Agony of Laffitte, do Spoon, simplesmente não funciona, tornando-a sem vida. Nem sempre querer é poder, isso é fato.

Cabe, ainda, registrar um ponto, que, se não constitui exatamente um defeito, representa um fator negativo de ordem externa. É que a amplitude da obra só pode ser devidamente apreciada caso quem escuta já esteja um pouco familiarizado com o som da banda. Digo isso porque se alguém, que nunca os ouviu, debutar escutando esse disco, provavelmente vai tirar conclusões precipitadas, ante os arranjos simplórios, do tipo de que eles são como  um Emmerson Nogueira, só que alternativos. Na verdade, a simplicidade dos covers contidos no disco é exatamente a maior riqueza que a banda tem para mostrar (meu deus, se trata de um trio!) e é exatamente isso que eles vêm fazendo em seus discos mais recentes, mais propriamente depois do excelente The Proximity Effect, quando abandonaram definitivamente o estigma de soar como um primo torto do Weezer.

No fim das contas, If I Had a Hi-fi é uma ótima coletânea de ricas e verdadeiras interpretações, misturando todas as excelentes influências da banda, e tentando (e conseguindo), dar uma nova forma a essas músicas, alterando a forma de pensá-las e ouvi-las. E é esse o objetivo primordial de um disco do tipo. Se antes víamos depressão, agora percebemos uma esperança, mesmo que seja ingênua.  Além disso, a escolha milimétrica das canções, que nada transparece de óbvio, é essencial. Na verdade, ultrapassando o limite sensorial oriundo de cada música, se trata o disco de um grande tributo a este estilo musical tão incompreendido que é o powerpop. Reflete uma alegria franca, sem pudor, sem ilusões. Enquanto houver bandas assim, o mundo tá salvo. Tenho dito. Nota 7,5.


















quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Katy Perry - Teenage Dream [CAPITOL]

A intransigência da espontaneidade.
 












A música pop é uma vadia. Rodada. Usada. Sequer possui uma conceituação precisa e até mesmo sua origem é obscura. Seus adeptos (artistas e produtores) mesclam estilos musicais com a mesma virtude que possui um apostador assíduo da loteria: SEM RUMO. Durante muito tempo tive um preconceito quase que mortal por tal estilo musical (se é que podemos falar assim), talvez por perceber a banalização que se generalizou entre o meio. Aos poucos, com calma, pinçando aqui e ali, até encontrava material de qualidade, que, na verdade, eram como flores perdidas num deserto de pastelões.

Entra ano, sai ano, e somos bombardeados por bandas e artistas fabricados e impostos pela mídia. Eles são bonitinhos; tocam nas rádios milhares de vezes por dia; são os primeiros das paradas; seus clipes invadem a televisão e a internet; os discos vendem milhões. O estilo passou a ser denominado Pop Music, constituindo uma espécie de junção torta de diversos estilos musicais,  como o R&B, Disco Music, Música Eletrônica, New Wave, Pós-punk, Rock e milhares de outras vertentes que vêm agregadas.  Tem como seus maiores expoentes Madonna e o finado Michael Jackson ("O Rei do Pop" - AHA!), que deus o tenha.

Seu modelo, como hoje conhecemos, remonta ao surgimento da MTV (1980), resgatando as atividades predatórias da indústria fonográfica americana e inglesa na era pré-Beatles, época do surgimento das grandes gravadoras, na qual os artistas eram escolhidos a dedo e as músicas eram encomendadas.

Katy Perry, a nova queridinha do pop [ARGH!], é linda, dona de uma voz  vulgar, no bom sentido, e de um estilo, ahn, digamos,  "provocante" (EUFEMISMO mode: ON). Estourou nas paradas em 2008, com seu razoável primeiro disco One of The Boys, que mais parecia uma colêtanea, haja vista a quantidade de singles bem sucedidos. O álbum teve uma mão forte da produção, criando verdadeiras proezas, como o clima lésbico-irônico de I Kissed a Girl, que era bem massa, na real. Hot'n'Cold, por sua vez, tem um dos melhores refrões que eu já ouvi na minha vida. Entretanto, a obra, bem na linha do rock de arena, se tornava muitas vezes cansativa e repleta de clichês. Tenho que conceder certo mérito a Katy Perry, pois, na contramão do que a maioria das artistas de sua estirpe faz, ela assina a co-autoria de diversas faixas de seus discos, o que lhe faz ter alguma credibilidade nas ruas.
















Katy... ahn, deixa pra lá, essa foto vai ficar sem legenda.

Teenage Dream, o segundo álbum, lançado mês passado, traz, logo de cara, uma pesada influência electropop, o que é uma lástima. O que se percebe ao longo da audição é a perniciosa falta de espontaneidade à qual os artistas pop são prisioneiros. As canções descrevem aquele ciclo datado de verso-refrão-verso-refrão-ponte-refrão, e cada batida, backing vocal, e até mesmo as vocalizações da garota parecem ser militricamente pensadas e incluídas como dogmas impostos. Contudo, não é este o fato que torna, unicamente, o disco ruim, mas também a qualidade das composições, conforme será explicado abaixo.

Ao longo do disco, o que se vê são canções medíocres, sem força, sem personalidade, isto é, bem ao contrário do primeiro disco da garota, que ao menos transparecia uma certa vitalidade juvenil. O que parece, na verdade, é que ela tenta se desvencilhar do esteriótipo "menina má", que em termos deu certo no primeiro disco, e tornar-se uma "diva do pop", mais ou menos na estratégia que a própria Madonna teve êxito em realizar. Entretanto, quando tudo se torna sério de mais, o mundo começa a te exigir qualidade, e se o trabalho é fraco, o que antes era uma festa na piscina, se torna uma festa de bodas de ouro com aqueles tiozões balofos e hipertensos tomando seus whiskeys e reclamando sobre as dores nos joelhos.

Teenage Dream, música que abre o disco, possui uma letra quase débilmental, e uma melodia frágil de mais, simplória; poderia ter sido composta por uma adolescente na fase pré-puberdade. Ela é tão ruim, tão péssima, que eu não me surpreenderia em vê-la estourando nos primeiros lugares das paradas. Peacock entrou na lista das piores musicas que eu já ouvi na minha vida, SÉRIO. Sem falar que, a partir da faixa nº 9 (Who Am I Living For?), o álbum se torna maçante e inteiramente insuportável.






















Bonitinha, mas a música é ordinária. 

Entretanto, não posso afirmar que tudo é descartável. Carlifornia Gurls, com um refrão marcante e guitarras groovadas, além da participação pastelona de Snoop Dog, é interessante e divertida, e mostra que Katy Perry ainda guarda um pouco daquele estilo "revoltadinho" do primeiro disco. Last Friday Night parece o Weezer dos tempos atuais, trazendo uma levada rockeira bem massa e repleta de distorções, mas, ao mesmo tempo, extremamente acessível e pop, sem pretensões. Era exatamente isso que eu pretendia ouvir no segundo trabalho da garota, tudo aquilo que era bom no primeiro disco e que poderia ser aproveitado com composições menos burocráticas e mais diretas. Circle The Drain tem um trabalho de produção intrincado, que a deixa razoável. MAS É SÓ.

Katy Perry se tornou fantoche de sua gravadora, a gigante CAPITOL, que sempre veio muito preocupada em vomitar sucessos em detrimento do estilo particular de seus músicos. A falta de espontaneidade, imposta pelas gravadoras, apesar de muitas vezes coibir certas guinadas indesejáveis por parte dos artistas, acaba tornando-os indefesos e frustrados. Nem sempre o que é sério é bom, e o que é divertido é ruim. Bandas como Weezer e Tenacious D são provas vivas disso. Diversão era exatamente o que eu esperava desse disco, mas, ao contrário, quase só encontrei um esforço inútil (sério e conservador) de soar como a Madonna. Se isso foi escolha da própria Katy ou de uma gravadora sem escrúpulos, isso eu não sei. Mas tá aí, deu merda. Nota: 3,5